20/10/2005

OUTONO


Vi esta semana um filme que é inspirado nos últimos dias da vida de Kurt Cobain.
Não interessa o valor do filme, interessa saber o valor da personagem e o valor da personagem real que inspira a ficção. Como os meus mais próximos sabem, desde a minha adolescência que perfilho uma admiração pela capacidade criativa do Kurt. Tocava mal, mas ao mesmo tempo era um ícone na criatividade, para além de que marcava um estilo e ditava leis na tendência do rock mundial. Louco, drogado e depressivo, assim era o gajo. Tudo ingredientes para que fosse um génio, que o era.
Passaram mais de 10 anos desde a sua morte e a sua influência na minha vida cultural e artística vai perdendo influência. Mas a esta distância é mais fácil perceber porque o adorávamos a ele e à sua banda. Antes de mais tinham estilo, observável na sua forma de vestir descuidada e na sua atitude: o casaco de malha largo e roto, o All-Star com mais de 100 000km; drogava-se intensamente, escrevia letras desconcertantes e desprovidas de nexo na mente de qualquer ser lúcido, tocava solos obscenamente simples e genuínos, cagava-se para o mainstream musical americano, e fazia os disparates mais infantis em público. A sua figura magra e franzina dava-lhe um ar de ser cá dos nossos. Sem me querer alargar, porque não estou a fazer uma verdadeira análise sociológica do fenómeno, quero apenas dizer que só sendo deste tempo e sendo jovem, miudo mesmo, se pode compreender e/ou adorar este nome.
Reflectindo um pouco, muito pouco apenas, para não me desiludir comigo e com ele, chego à conclusão que, ao contrário do que pensei sempre, a vida deste senhor deveria ser completamente desprovida de sentido e estrutura. O dia era vivido um de cada vez, sem projecto. Aliás, muito como a vida dos carochos deve ser. As mocas, o abuso total da mente e corpo dele, as pessoas que o acompanhavam, tudo sombrio e escuro, como um Outono frio e cheio de folhas molhadas no chão.
Aliás a imagem de Kurt Cobain surge na minha mente com um fundo sempre negro e pesado, lembrando esses dias de Outono, lembrando the fall, num qualquer bosque dos arredores de Seattle, quando os dias acabam às 5 e meia da tarde. Receio que ele se visse a si mesmo mais num abismo negro e sinuoso...
Já agora, se puderem ver o filme, vejam, se não puderem, também não perdem nada de extraordinário.