30/12/2005

Hummm



Já vivi qualquer coisinha. Já vi deporem príncipes, serem eleitos presidentes, nascer e morrer estrelas de rock, já vi araras andarem de bicicleta, já vi o Eládio Clímaco apresentar os Jogos Sem Fronteiras, já vi amigos de infância casarem e outros terem filhos. Mas nada disto me preparou para o que aconteceu no outro dia.
Um dia normal no trabalho, como qualquer outro. Toca o telefone, “Sra. M. para ti, Vítor”. “Passa” Não sei porque acontecem estas coisas, mas a sra. M não dizia o som «Q»! “Olá, Sr. Vítor, tenho uma enhomenda de hamarão para o Harrefour. Mas o homercial ligou-me há bohado a dizer hê não chegou nada ainda. Eu sei hê é huarta feira e há muita hoisa, mas não posso ter problemas hom este hliente”.
Hã!? “Sim, no Harrefour de Telheiras...”
O que não mata engorda. Sinto-me, após esta experiência abizarrada, mais forte para encarar este ano de 2006, o qual vai ser ainda mais caro, com maiores probabilidades de cair no desemprego, com canais de TV públicos mais ridículos, com mais incongruência das pessoas que partilham algum do nosso espaço quotidiano, talvez até com menos alegria. Será alguma vez o futuro menos negro do que é actualmente? Fossem todos os nossos problemas como o da Sra. M.
Já agora, o nosso Primeiro caíu do ski e magoou-se na pata. Quantos não terão desejado a sua extinção, imaginando-o a caír de um penhasco? Eu não!

28/12/2005

E tu, onde passas o teu Reveillon?


Todos choramos, todos gritamos, todos cagamos postas de pescada e todos insultamos o político, o rico, o teso, o gordo, a puta, o Papa, o Bush, o César Peixoto, até o Eládio Clímaco, por não termos dinheiro para nada, mas ninguém se atreve a ficar em casa na Passagem de Ano, pois não?

Ele está no meio de nós



Aqui há dias fui a um jantar de apoio a um dos candidatos à presidência da República Portuguesa. Tudo muito ambiente controlado, aliás, nada de novo na política contemporânea – Sócrates é eleito fazendo sempre discursos com “rede”, mesmo hoje ainda os faz.
Quando o candidato chega ao local dá-se a libertação de energia pelos apoiantes, todos pegam em bandeiras e acenam-nas entusiasticamente, enquanto se ouve uma música típica de épicos. Tudo me parecia demasiado forjado, desprovido de entusiasmo natural, de espontaneidade, dava até a impressão que aquelas pessoas ensaiavam os seus sorrisos e gestos de glória no espelho antes de saírem de casa. Que estou eu aqui a fazer?
Eu, atrasado, como sempre, ainda andava à procura de lugar para me sentar quando surge o candidato. A histeria tomou conta dos jornalistas e de apoiantes. Distraído, dava encontrões no pessoal, furando entre bandeiras, quando de súbito dou de caras com aquilo que atrevo a dizer ser Deus. Era um personagem magnífico, alto e magro, vestido com um fato verde escuro, mascarrado e coçado pelo tempo e gravata seguramente mais velha que eu, e empunhava uma bandeira nacional. De toda a sua face saíam compridos, crespos e grisalhos pêlos, formando uma barba enormíssima e a sua cabeça era ornamentada por longos cabelos, com o mesmo formato da barba; óculos profundos e pré-Revolução dos Cravos conferiam-lhe um ar nostálgico e ainda mais supremo, confirmados pelos seus urros de paixão pelo candidato. Aquela pessoa não o era, tratava-se mesmo de Deus, ou melhor, da visão de Deus, configurada para O vermos e O compreendermos, sem dúvida nenhuma, tal foi a clareza com que me surgiu no espírito e me arrebatou imediatamente. Aquela não era uma visão normal, era sobrenatural!
Aí, sim, compreendi que apoiar aquele candidato era uma obrigação terrena, mas acima de tudo divina, pois até Deus estava com este homem, como poderia eu ter dúvidas acerca da sua capacidade?

25/12/2005

Natal das Portagens


Como os mais próximos de mim sabem, trabalhei na véspera e no dia de Natal.
A moral já não era elevada, mas... "Boa tarde" "Epá, deve ser chato trabalhar no dia de Natal!" "Não, temos que ser positivos, podia estar a ser torturado neste preciso momento, numa qualquer prisão ilegal da CIA num país de Leste" "Hã...!?"; "Boa tarde" "Boa tarde!? Para si não, 'tá aí a trabalhar neste dia" "Optimismo, optimismo, amigo. Poderia estar agora neste preciso momento a padecer de fome na Etiópia, há coisas piores"; "Olá" "Olha! 'Tás bem? Então, engataram-te para hoje? Ganda' merda! Toda a gente a curtir e tu aqui" "Pois..." Não era preciso recordarem-mo a toda a hora.
Vivi um Natal das Portagens, quase tão fastidioso como o dos Hospitais.

23/12/2005

IT´S CHRISTMAS, STUPID

Permitam-me falar aqui umas linhas acerca do Natal. Na realidade, não sei o que é o espírito natalício. Este fundar-se-á numa comemoração do nascimento de Cristo. Muitos séculos posteriores ao seu (presumível?) nascimento, assiste-se à profunda decadência do que era comemorado. A simplicidade e pobreza material vs riqueza espiritual deu lugar ao inverso. As discussões familiares centram-se, desde início de Novembro, em saber quem irá a casa de quem e qual a prenda a oferecer aquele tio que, estúpido, deixou de fumar, ao qual dávamos sempre um isqueiro, ou uma caixa de charutos, e agora que lhe damos, umas peúgas pretas, uma gravata, nem sei de que precisa ou gosta ele? Pois, na realidade, nem nos conhecemos muito bem por casa, quanto mais os outros que só vemos nesta época. Não há aproximação verdadeira, apenas qualquer coisa artificial, acentuada sobremaneira pela sofreguidão de vender do retalho, pelas cores da TV ou pelas luzes do El Corte Inglés desde Novembro.
Mas nem vou alongar-me por aí. Aliás, estou tão aborrecido que nem vou por lado nenhum, pois contra mim falo, consumido por uma força qualquer valido estes comportamentos fazendo eu o mesmo... Poderia falar da solidariedade bacoca de oferecer um pacote de arroz ou um frasco de tomate pelado no super aos pobrezinhos uma vez por ano e julgar-se capaz de criticar o primeiro ministro dos tesos por não perdoar a dívida externa a Angola e Moçambique. Mas não vou falar.
Ah, já agora, fazemos uma votação para saber se retiramos o disco de ouro dali ou não?

08/12/2005

Taxa Nominal Anual 25,20% ; TAEG 29,60%


Nos últimos anos temos assistido a um boom de publicidade de empresas prometendo dinheiro fácil, bastando para tal ligar agora ou mesmo ligar Já!, oferecendo em troca ao comum do cidadão empréstimos sem perguntas, sem chatices, sem formulários, tudo muito "toma lá, tu és porreiro, mereces".
Nunca me passou pela cabeça que houvesse neste mundo pessoas que pudessem ter necessidade de recorrer ao crédito "até € 5000", até porque fazendo uma pequena análise se verifica que crédito deste tipo serve apenas para pequenas compras... quem quer comprar casa ou carro vai ao banco.
Mas, até pela expansão do tempo e espaço comprado em publicidade, verifica-se que estas financeiras florescem no nosso país, atraíndo cada vez mais consumidores ao pequeno crédito.
O que pode explicar este fenómeno? Simples: os portugueses são pelintras, provincianos, saloios, ignorantes. Basta dar uma olhadela no anúncio no topo. Família feliz, bem vestidos, ganham seguramente o triplo do salário mínimo cada um, prendinhas para a menina loira, casa arranjadinha. Á frente o gordo que distribui dinheiro à populaça, à laia da inteligência de acertar nos preços dos prémios. "Eu é que não sou parvo" parece ele dizer. A sua postura é aquela do burguês do principio de século que os comunistas e sindicatos atacavam, e que todos querem encarnar: mesa farta, redondo que nem uma bola, dinheiro a caír dos bolsos. As prendas são ainda mais uma guloseima. A frase no balão identifica imediatamente o público alvo deste tipo de actividade.
Pois então venha de lá esse dinheiro sem chatices do banco por telefone. Quero € 1000 para comprar uns óculos de sol daqueles que tapam a cara toda, a playstation 2, e quero comprar também uma ponteira de escape para o meu carro. Não há problema nenhum, paga €20 por mês, só precisa assinar o contrato que vai receber por correio. Ahh, só 20 eures? Sim, senhor só isso. Assina e manda para nós. Nem precisa ler as letras pequeninas.
Este tipo de crédito ao consumo potencia em nós todo um sentimento de inferioridade, de pobreza material e espiritual, demonstrando que nem se precisa trabalhar por algo, basta pedir. Tudo se paga em suaves prestações de €20, €50 ou €100, mesmo que por 10 anos. Esquecem-se muitos que este tipo de crédito vale quase 30% de juros.