28/12/2005

Ele está no meio de nós



Aqui há dias fui a um jantar de apoio a um dos candidatos à presidência da República Portuguesa. Tudo muito ambiente controlado, aliás, nada de novo na política contemporânea – Sócrates é eleito fazendo sempre discursos com “rede”, mesmo hoje ainda os faz.
Quando o candidato chega ao local dá-se a libertação de energia pelos apoiantes, todos pegam em bandeiras e acenam-nas entusiasticamente, enquanto se ouve uma música típica de épicos. Tudo me parecia demasiado forjado, desprovido de entusiasmo natural, de espontaneidade, dava até a impressão que aquelas pessoas ensaiavam os seus sorrisos e gestos de glória no espelho antes de saírem de casa. Que estou eu aqui a fazer?
Eu, atrasado, como sempre, ainda andava à procura de lugar para me sentar quando surge o candidato. A histeria tomou conta dos jornalistas e de apoiantes. Distraído, dava encontrões no pessoal, furando entre bandeiras, quando de súbito dou de caras com aquilo que atrevo a dizer ser Deus. Era um personagem magnífico, alto e magro, vestido com um fato verde escuro, mascarrado e coçado pelo tempo e gravata seguramente mais velha que eu, e empunhava uma bandeira nacional. De toda a sua face saíam compridos, crespos e grisalhos pêlos, formando uma barba enormíssima e a sua cabeça era ornamentada por longos cabelos, com o mesmo formato da barba; óculos profundos e pré-Revolução dos Cravos conferiam-lhe um ar nostálgico e ainda mais supremo, confirmados pelos seus urros de paixão pelo candidato. Aquela pessoa não o era, tratava-se mesmo de Deus, ou melhor, da visão de Deus, configurada para O vermos e O compreendermos, sem dúvida nenhuma, tal foi a clareza com que me surgiu no espírito e me arrebatou imediatamente. Aquela não era uma visão normal, era sobrenatural!
Aí, sim, compreendi que apoiar aquele candidato era uma obrigação terrena, mas acima de tudo divina, pois até Deus estava com este homem, como poderia eu ter dúvidas acerca da sua capacidade?